sábado, 17 de janeiro de 2009

Trabalho infantil cresce no DF

“Procuro entender que a vida não é igual para todo mundo”. Felipe*, 12 anos, apesar da pouca idade, já conhece a rotina de uma jornada de trabalho. Todos os dias, depois da escola, onde está repetindo a 6ª série, ele vigia carros com o pai em um estacionamento de um shopping de Brasília (DF). Trabalhando 9 horas por dia não sobra tempo para aproveitar a infância. “Às vezes acho ruim não poder brincar, ficar em casa, deitado no sofá, assistir a desenhos na TV. Mas para que eu possa ter um mínimo de lazer e bem estar, tipo uma casa com comida, tenho que ajudar meu pai”.

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2006, existem no DF cerca de 23 mil crianças e adolescentes, entre 5 e 17 anos, vítimas do trabalho infantil. Apesar do Governo Federal transferir anualmente para o GDF recursos financeiros no montante de R$ 215 milhões para a execução de programas sociais, o número de crianças trabalhando continua crescendo. O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) garante ao DF R$ 578 mil anuais para serem utilizados em ações socioeducativas, capazes de atender 5 mil crianças e adolescentes entre 7 e 15 anos. No entanto, somente 3444 crianças estão incluídas no PETI. Ainda segundo dados do próprio GDF, dessas apenas 1784 (51,8%) freqüentam as ações socioeducativas.

“Às vezes o trabalho é muito cansativo. Chego em casa tarde com meu pai, e tenho que acordar cedo”, diz Felipe. O ambiente de trabalho também não é dos melhores. Segundo ele, algumas pessoas vão até lá para comprar drogas e se prostituir. “Quando o clima aqui fica muito pesado, meu pai me manda ir embora, e fica sozinho até tarde”, revela. Apesar de tudo, o jovem sonha em se formar, ser advogado ou delegado. Sua única certeza é a vontade de tirar a família da pobreza e do sofrimento.

Chico, 39 anos, pai de Felipe, sabe que a rotina de ter que estudar e trabalhar é cansativa, mas acha que essa é a melhor forma de manter o filho longe da marginalidade. “Se eu não trago ele pra cá, para trabalhar, ele pode acabar virando um marginal. Moramos no Varjão, e prefiro trazer meu filho comigo do que deixá-lo solto por lá”, afirma.

No DF, as crianças concentram-se em trabalhos domésticos ou informais

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que, no mundo, cerca de 165 milhões de crianças de 5 a 14 anos são vítimas do trabalho infantil. No Brasil, os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que haviam 5,1 milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de idade trabalhando em 2006. Ao contrário dos outros estados do Brasil, onde a maior parte das crianças e adolescentes está em atividades agrícolas, no DF, a grande maioria realiza trabalhos domésticos ou informais.



Ana* e Maria* fazem parte das 5,1 milhões de crianças vítimas do trabalho infantil no Brasil.
Maria*, 14 anos, e Ana*, 13 anos, irmãs por parte de pai, fazem parte dessa estatística. Depois da escola, onde Maria cursa a 4ª série e Ana a 3ª série, elas vendem balas na Rodoviária de Brasília para ajudar a família. Ambas moram com as mães em Brasilinha (Planaltina de Goiás), a cerca de 50 km de Brasília. Maria tem 7 irmãos. Ana tem 6. A rotina de trabalho não é fácil. “O que eu acho mais ruim é ter que ficar aqui, andando o dia todo, as pessoas num compram, muitas mandam a gente caçar o que fazer”, diz Maria. Por dia tiram até R$ 20, dinheiro utilizado para comprar comida, roupas e material escolar. Segundo ela, a mãe já se cadastrou no Bolsa Família, programa de transferência de renda do Governo Federal, mas até hoje não recebeu o cartão.

Ana não tem muitas pretensões. “Só penso em ajudar minha mãe”, diz. Já Maria sonha ser dançarina de funk, e ter condições para ajudar a família e tirar o irmão da marginalidade e das drogas. Sua irmã, de 16 anos, está grávida. Era casada, mas se separou do marido, dependente químico. “Nunca tive vontade de usar droga. Só dá cemitério, morte e cadeia”, completa.

Segundo Demetrio Weber, repórter do jornal O Globo, o trabalho infantil é uma violência: rouba a infância e o futuro de quem é obrigado a trabalhar. Para ele, na rotina de trabalho, a criança se depara com relações do mundo adulto para as quais não está preparada. “Lugar de criança é na escola. Os primeiros anos de vida são decisivos para a formação da personalidade e o desenvolvimento das potencialidades do ser humano”, declara. Weber considera o PETI, que foi incorporado ao Bolsa Família, como uma boa iniciativa. “O governo dá dinheiro aos pais para que os filhos deixem de trabalhar e freqüentem a escola”, conclui.


OBS: * Nomes fictícios para proteger a identidade dos entrevistados, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Joelma Aparecida e Giselle Silva