sábado, 14 de junho de 2008

"A passeata que eternizou 1968"



Que 1968 foi o ano em que o mundo estava em ebulição todos temos certeza. Foi, de fato, o ano de todas as revoltas. Tanto nos países comunistas quanto nos capitalistas, o grande fantasma que assombrava o status quo era a fusão das lutas de trabalhadores e estudantes. Houve a geração das Barricadas na França, jovens cansados e sufocados por um mundo burocratizado e repressivo. Os jovens da França foram às ruas em maio de 68 para lutar pela liberdade e com o desejo de viver de uma forma diferente. Na Tchecoslováquia, os tchecos saíram às ruas de Praga para enfrentar a invasão soviética e defender o sonho de um socialismo democrático. Essa foi a famosa Primavera de Praga. Aqui no Brasil, o ano de 68 começou no dia 28 de março, no dia do assassinato do estudante Edson Luís, morto pela polícia. Na realidade, a morte desse jovem foi o estopim para que os jovens lutassem contra a ditadura e a repressão. Eles foram para as ruas com estandartes e palavras de ordem contra o regime dos militares.

No Brasil, vários movimentos políticos e estudantis aconteciam. Um dos grandes marcos foi a Passeata dos Cem Mil, cujo nome foi dado pela quantidade de manifestantes que lotaram as ruas do centro do Rio de Janeiro. Realizada no dia 26 de junho de 1968, foi considerada um dos mais importantes protestos contra a ditadura no Brasil. As principais reivindicações dos manifestantes eram o reestabelecimento das liberdades democráticas, o fim da censura à imprensa, a concessão de mais verbas para a educação e a liberação dos corpos dos estudantes mortos pelos militares. A passeata levou às ruas estudantes, artistas, mães de perseguidos políticos, intelectuais, padres e simpatizantes das causas reivindicadas.

Liderada por Vladimir Palmeira e Luiz Travassos, presidente da Une em 68, a passeata foi um marco e um sucesso, no sentido de que puderam se manifestar sem repressão. Não houve pancadaria, nem registros de enfrentamento da polícia com os manifestantes. A passeata começou por volta das 14h com cerca de 50 mil pessoas. Uma hora depois esse número já havia dobrado. Foram três horas de passeata, que terminou em frente à Assembléia Legislativa.

Elio Gaspari, em seu livro “A ditadura Envergonhada”, cita o episódio da seguinte forma:

“Olhada, a passeata era uma festa. Manifestação de gente alegre, mulheres bonitas com pernas de fora, juventude e poesia. Caminhava em cordões. Havia nela a ala dos artistas, o bloco dos padres (150), a linha dos deputados. Ia abençoada pelo cardeal do Rio de Janeiro, o arquiconservador D. Jaime Câmara, que em abril de 1964 benzera a Marcha da Vitória. Muitas pessoas andavam de mãos dadas. Todo o Rio de Janeiro parecia estar na avenida. A serena figura da escritora Clarice Lispector e Norma Bengell, a desesperada de Terra em Transe; Nara Leão, Vinicius de Moraes e Chico Buarque de Hollanda, que com a poesia “Carolina”, e seus olhos verdes, encantava toda uma geração. Personagens saídos da crônica social misturavam-se com estudantes saídos do DOPS. Do alto das janelas a cidade jogava papel picado.(…) a Passeata dos Cem Mil saiu da Cinelândia, jovem, bela e poderosa. (…) Depois de parar gloriosamente na Presidente Vargas, vagou emagrecida até os pés da estátua de Tiradentes, em frente ao prédio da Câmara dos Deputados. Lá Vladimir Palmeira, o mais popular dos dirigentes estudantis, ameaçou: A partir de hoje, para cada estudante preso, as entidades estudantis promoverão o encarceramento de um policial.”

Claro que não houve o encarceramento dos policiais, pois do contrário a guerra teria sido pior. A maior de todas as vantagens dessa marcha foi o fato de que os jovens puderam se manifestar e fazer suas reivindicações sem nenhuma forma de repressão.

Após a passeata, o presidente Costa e Silva marcou uma reunião com líderes da sociedade civil e alguns estudantes, entre eles, Franklin Martins e Marcos Medeiros. No encontro, foi solicitado a libertação de estudantes presos, o fim da censura e a abertura do restaurante Calabouço. Porém, nenhuma reivindicação foi atendida. A repressão aumentou contra o movimento estudantil nos meses seguintes, após a passeata. No final do ano, mais precisamente no dia 13 de Dezembro, os militares baixaram o Ato Institucional nº 5.